KnoWhy #43 | Fevereiro 23, 2017

Por que Leí “supôs” a existência de Satanás?

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Scripture Central

"Como caíste do céu, ó Lúcifer, filho da manhã!" 2 Néfi 24:12; Isaías 14:12

O conhecimento

O Livro de Mórmon inclui uma contundente representação de Satanás, ou o diabo, como é comumente chamado no texto.1 O principal desejo de Satanás, de acordo com os profetas do Livro de Mórmon, é tornar "todos os homens tão miseráveis como ele próprio" (2 Néfi 2:27). É o que ele faz, ao conduzir homens e mulheres ao pecado, seduzindo-os a uma segurança carnal, cegando-os em relação às coisas de Deus e incitando contendas e disputas no coração dos filhos dos homens.2

Alguns questionam como o Livro de Mórmon poderia descrever Satanás de forma tão vívida, enquanto o Velho Testamento ou a Bíblia Hebraica, aparentemente, não fazem qualquer concepção concreta sobre ele.3 Embora Satanás (ou "Satã") apareça em algumas passagens como Números 22, Jó 1–2, Zacarias 3 e 1 Crônicas 21, pesquisadores questionam se essa figura é necessariamente uma entidade maligna oposta a Deus e, se sua identidade e função evoluíram com o tempo, na antiga religião israelita.4

O estudioso bíblico, não membro da Igreja de Jesus Cristo, G. J. Riley explicou: "Na Bíblia hebraica, encontramos o conceito de 'adversário' (Heb śāṭān ) em dois sentidos: de qualquer oponente (geralmente humano), e o de Satanás, o Diabo, o oponente da justiça".5 O fato do hebraico śāṭān poder se referir a adversários mortais e divinos (que podem ou não ser necessariamente maus) levou a interpretações conflitantes nas passagens do Velho Testamento em que ele aparece.

Apesar dessa ambiguidade, existem conceitos subjacentes da antiga mitologia do Oriente Próximo que podem ajudar a entender o papel de Satanás na Bíblia. Riley explicou: "A ideia bíblica de que Deus e os anjos justos enfrentaram a oposição de um grande inimigo espiritual, o diabo, apoiado por um exército de demônios, teve um longo desenvolvimento e história na antiguidade". Histórias muito antigas de conflitos entre os deuses são encontradas em cada uma das culturas que influenciaram a tradição bíblica, e essas histórias [...] contribuíram para o conceito do diabo".6 Riley mencionou especificamente os mitos mesopotâmicos e cananeus com uma divindade principal lutando contra as forças do caos, da morte e do mal como elementos subjacentes na representação bíblica de Yahweh lutando contra "espíritos terríveis, mas legítimos, de calamidade, doença e morte". 7

Na verdade, parece que os antigos israelitas possuíam uma compreensão sobre demônios e outras divindades malignas que se opunham a Deus (Levítico 16:8; 17:7; Deuteronômio 32:17; Salmo 106:37–38; Isaías 13:21; 34:14).8Eles também entenderam que Deus lutava contra monstros marinhos e águas que personificavam o caos e a destruição (Salmo 74:12–17; 89:9–12; 93:3–4; Jó 26:12–13; Isaías 27:1; 51:9–10).9 Em escritos bíblicos posteriores, o monstro do caos, "o grande dragão" ou "serpente antiga", seria explicitamente identificado como Satanás (Apocalipse 12:1–11).

Voltando ao Livro de Mórmon, é importante notar que Leí "supôs" a existência de Satanás com base na leitura de algo que encontrou nas Placas de latão. "E eu, Leí, devo supor, pelo que tenho lido, que um anjo de Deus, de acordo com o que está escrito, caiu do céu; tornou-se, portanto, um diabo, tendo procurado o que era mau perante Deus" (2 Néfi 2:17, ênfase adicionada). Parece que Leí se referiu a esta passagem de Isaías: "Como caíste do céu, ó Lúcifer, filho da manhã! Foste lançado por terra, tu, que debilitavas as nações!" (2 Néfi 24:12; Isaías 14:12).

O nome traduzido como "Lúcifer" (latim que significa "portador da luz") no texto hebraico é Helel ben Shachar (hēylēl ben šāḥar) e significa literalmente "aquele que brilha, filho da manhã". Isso o relaciona a "um mito cananeu dos deuses Helel e Shahar [...] que caíram do céu como resultado da rebelião" (cf. Gênesis 6:1–4),10 bem como a uma divindade do antigo Oriente Próximo identificada como "uma estrela na constelação [...] associada a Ištar e por onde Vênus passa" (cf. Jó 38:6–7).11

O estudioso bíblico santo dos últimos dias David Bokovoy explicou: "[Leí] precisaria ter um texto bíblico que descrevesse um anjo caído. Tal conceito aparece em Isaías 14. Esta passagem bíblica é um lamento, zombando da morte de um rei assírio da época de Isaías". De acordo com Bokovoy, "Embora este texto se refira diretamente a um monarca assírio que tentou se tornar um ser divino como o Deus Supremo, a provocação se baseia em um antigo enredo cananeu sobre uma divindade literal que buscava ascender ao trono de El, o deus mais elevado da assembleia divina."12

Outro estudioso santo dos últimos dias, John A. Tvedtnes, escreveu: "A tentativa de Lúcifer de se sentar no monte sagrado reflete seu desejo de se tornar parte do conselho celestial".13 Nas palavras de um pesquisador da Bíblia, ele tentou "sentar-se no mais alto trono, onde a assembleia dos deuses se reunia [...] de fato, como o rei dos deuses".14 Por sua presunção, Lúcifer, a personificação mitológica de possivelmente do rei assírio Sargão II (aprox. 722–705 a.C.), 15 foi lançado ao submundo, onde foi despojado de seu poder e prestígio, zombado por aqueles que antes oprimia e, por fim, derrotado por Yahweh (Isaías 14:15–23; 2 Néfi 24:15–23).

Por conhecer a história essencial da queda de Adão e Eva no Jardim do Éden (2 Néfi 2:15–27), Leí conhecia "o cativeiro e o poder do diabo" (v. 27), que era "o pai de todas as mentiras" (v. 18). Ele também sabia que o diabo e a iniquidade estavam em "oposição" a Deus e à sua justiça ( vv. 11–13). Porém, a origem do diabo não é explicitamente declarada em Gênesis.16 Diante dessa lacuna nos registros conhecidos por ele, e tendo em mente o contexto de Isaías 14:12, é possível perceber como Leí poderia ter "suposto" a existência do demônio, um anjo ou ser divino que se opôs a Deus e, por isso, caiu no mundo inferior (inferno). A explicação convincente de Leí foi então retomada por seus filhos, Néfi e Jacó, e perpetuada e desenvolvida pelos profetas e autores subsequentes do Livro de Mórmon.

O porquê

Ao fornecer uma descrição mais clara de Satanás do que a Bíblia hebraica, o Livro de Mórmon nos ajuda a reconhecê-lo e suas táticas. "Além de expor as táticas e os planos de Satanás", escreveu Clyde James Williams, "o Livro de Mórmon dá conselhos claros e diretos sobre como vencê-lo".17 Com esses dois registros das escrituras combinados, estaremos melhor preparados para resistir ao adversário e seus seguidores.

Em um nível teológico ou mesmo literal, o Livro de Mórmon parece extrair de Isaías 14 seu próprio conceito de Satanás, que por sua vez extrai algumas de suas ideias ou inspiração de um ambiente mitológico mais amplo, do antigo Oriente Próximo. Assim, Leí parece ter feito a mesma inovação teológica que os judeus que retornaram do exílio babilônico pouco tempo depois dele fariam.

Ou talvez, esse conceito do Maligno já estivesse começando a circular entre os profetas em Jerusalém nos dias de Leí e, assim, permitiu que emergisse fortemente e sem qualquer resistência nos escritos bíblicos posteriores. É claro que a "abordagem histórica do conceito de Satanás, como um desenvolvimento teológico evolucionário no judaísmo, levanta a questão de que, se as referências do Livro de Mórmon ao Diabo devem ser vistas como anacrônicas", como Bokovoy reconheceu, "uma leitura cuidadosa do Livro de Mórmon, no entanto, mostraria que, nesse caso, o Livro de Mórmon parece refletir a maneira como os estudiosos bíblicos que leem a Bíblia Hebraica entendem criticamente essa questão".18

Leitura Complementar

David Bokovoy, Authoring the Old Testament: Genesis–Deuteronomy (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2014), p. 207–211. John A. Tvedtnes, The Most Correct Book: Insights from a Book of Mormon Scholar (Springville, UT: Horizon Publishers, 2003), pp. 132–153 Clyde James Williams, "Satan", em Book of Mormon Reference Companion, ed. Dennis L. Largey (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 2003), p. 701.

1. "Satanás" aparece 27 vezes no Livro de Mórmon, a partir de 1 Néfi 13:29. "Diabo" aparece cerca de 89 vezes no Livro de Mórmon, a partir de 1 Néfi 12:17. 2. Clyde James Williams, "Satan", em Book of Mormon Reference Companion, ed. Dennis L. Largey (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 2003), p. 701–703.

3. Ver, por exemplo, os comentários de Blake Ostler, que argumenta que a forte presença de Satanás no Livro de Mórmon é uma "expansão" teológica de Joseph Smith como o tradutor inspirado do texto. Blake Ostler, "The Book of Mormon as a Modern Expansion of an Ancient Source", Dialogue: A Journal of Mormon Thought 20, no. 1 (Spring 1987): 85–87 4. Ver este tratado geral: Peggy L. Day, An Adversary in Heaven: śāṭān in the Hebrew Bible, Harvard Semitic Monographs 43 (Atlanta, GA: Scholar's Press, 1988); C. Breytenbach e P. L. Day, "Satan", em Dictionary of Deities and Demons in the Bible, ed. Karel Van Der Toorn, Bob Becking e W. Pieter Van Der Horst (Leiden: Brill, 1999), 726–732. 5. G. J. Riley, "Devil", em Dictionary of Deities and Demons in the Bible, p. 247. 6. Riley, "Devil", p. 244. 7. Riley, "Devil", p. 245. 8. Ver comentário de G. J. Riley, "Demon", em Dictionary of Deities and Demons in the Bible, pp. 235–240. 9. Para obter mais informações sobre este ponto, consulte Stephen O. Smoot, "Council, Chaos, and Creation in the Book of Abraham", Journal of the Book of Mormon and Other Restoration Scripture 22, no. 2 (2013): 31–34 10. Joseph Blenkinsopp, "Isaiah", em The New Oxford Annotated Bible, 3ª ed., ed. Michael D. Coogan (Nova York, NY: Oxford University Press, 2001), p. 999. Pensa-se também neste caso nos anjos de quem foi dito, na literatura de Enoque (1 Enoque 6–11), que eles haviam caído do céu. Ver Christopher Rowland, The Open Heaven: A Study of Apocalyptic in Judaism and Early Christianity (Eugene, Oregon: Wipf and Stock, 1982), p. 93; P. W. Coxon, "Nephilim", em Dictionary of Deities and Demons in the Bible, pp. 618–620. 11. J. J. M. Roberts, First Isaiah: A Commentary, Hermeneia: A Critical and Historical Commentary on the Bible (Minneapolis, MN: Fortress Press, 2015), p. 209. 12. David Bokovoy, Authoring the Old Testament: Genesis–Deuteronomy (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2014), p. 209. 13. John A. Tvedtnes, The Most Correct Book: Insights from a Book of Mormon Scholar (Springville, UT: Horizon Publishers, 2003), p. 152. 14. Roberts, First Isaiah, p. 210. 15. Roberts, First Isaiah, pp. 201, 207–209. 16. Muitos estudiosos da Bíblia ainda sustentam que a serpente em Gênesis 3 não é necessariamente má e, portanto, não é o diabo como entendido na interpretação judaica e cristã posterior, mas é apenas um animal trapaceiro astuto (Gênesis 3:1). Para visões representativas disso, ver James L. Kugel, How to Read the Bible: A Guide to Scripture, Then and Now (New York, N.Y.: Free Press, 2007), p. 51; R. S. Hendel, "Serpent", em Dictionary of Deities and Demons in the Bible, pp. 746–747. 17. Williams, "Satan", p. 702. 18. Bokovoy, Authoring the Old Testament, p. 208.

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